A cada ano, o Digital News Report (DNR), publicado pelo Reuters Institute for the Study of Journalism, traz um abrangente raio-X do consumo de notícias no mundo. A edição de 2025, lançada na última semana, ouviu 97 mil pessoas em 48 países, incluindo o Brasil, e torna clara uma transição radical: o jornalismo tradicional cede cada vez mais espaço para criadores de conteúdo, influenciadores e plataformas digitais – fenômeno que preocupa quem ainda aposta no papel cívico da imprensa.
O sumário executivo, assinado por Nic Newman, reforça que o jornalismo convencional está perdendo relevância justamente num momento em que o mundo mais precisa de informação confiável. Diante de conflitos, crises climáticas e instabilidade política, é a desinformação – muitas vezes embalada em vídeos curtos e memes – que se espalha com mais rapidez. Plataformas como o TikTok ganham protagonismo no consumo de notícias, para além do público mais jovem, e a inteligência artificial surge como uma ferramenta que pode tanto agilizar o jornalismo quanto minar sua credibilidade.
Do Brasil, os dados confirmam tendências globais: o consumo de notícias via redes sociais segue alto (54%), os jornais impressos e a TV seguem em queda, e o interesse por podcasts se consolida. A confiança no jornalismo por aqui está em 42% – acima da média global, mas em queda quando comparada aos índices de uma década atrás.
Dois olhares sobre o DNR 2025
Dois olhares brasileiros sobre o DNR merecem destaque. O primeiro é do time da newsletter Farol Jornalismo, que acompanha o DNR desde 2014. Em uma leitura crítica e sensível ao contexto brasileiro, os jornalistas destacam a consolidação de um ecossistema midiático alternativo, movido por personalidades, com forte apelo entre jovens e homens brancos – e com enorme influência no debate público. Segundo eles, esse modelo ganhou força especialmente após a eleição de Donald Trump em 2016 e se solidificou com sua reeleição, criando um ambiente onde a imprensa tradicional é substituída por canais “parceiros” que evitam perguntas difíceis e, em muitos casos, espalham desinformação.
Para o Farol, o DNR 2025 evidencia que o jornalismo está “perdendo a relevância e ficando para trás”, principalmente nos EUA, onde as redes sociais ultrapassaram os sites de notícias como principal fonte de informação. No Brasil, embora o cenário não seja tão extremo, também há sinais de alerta: queda contínua no número de leitores de impressos, estagnação na disposição de pagar por notícias e consumo crescente via plataformas digitais, onde o controle editorial é quase nulo.
Apesar disso, o relatório traz pequenas luzes no fim do túnel. A confiança na imprensa se mantém estável globalmente (40%) e o jornalismo local é apontado como um terreno fértil para reconexão com o público. A inteligência artificial também pode ser uma aliada – desde que usada com transparência e sob supervisão humana, como mostram experimentos em países como a Argentina e a Índia.
A segunda análise vem do jornalista Rodrigo Mesquita, que em um artigo recente no LinkedIn faz um diagnóstico duro: a falência do jornalismo tradicional não é apenas econômica – é intelectual. Para ele, o DNR confirma que os veículos perderam relevância porque não souberam se adaptar a um novo ecossistema digital. Mesquita compara a crise atual ao declínio da imprensa operado pela ascensão do rádio, nos anos 1930. Para ele, “a decadência do jornalismo das rotativas” não pode mais ser explicada apenas pela queda da receita publicitária. O problema é mais profundo: os veículos não oferecem mais um conteúdo que conecte verdadeiramente com a vida das pessoas.
Mesquita também aponta o enfraquecimento do papel social do jornalismo diante de um público cada vez mais atraído por influenciadores que entregam informação com afeto, identificação e linguagem nativa das plataformas digitais. “As mídias sociais não mataram o jornalismo. Só escancararam sua decadência”, escreve. Para ele, só haverá futuro para o jornalismo se ele reconstruir seu valor para as comunidades e adotar uma nova lógica de atuação, mais participativa, distribuída e centrada nas pessoas.
Reinvenção do propósito do jornalismo
O DNR 2025 deixa um recado claro: o jornalismo não está morto, mas agoniza em boa parte do mundo. Reerguê-lo exige mais do que modelos de negócio sustentáveis ou inovação tecnológica. Mas uma reinvenção de propósito. Como sugerem tanto Rodrigo Mesquita quanto os jornalistas do Farol Jornalismo, é preciso reaprender a ouvir, a dialogar e a servir comunidades que, hoje, estão sendo deixadas para trás.
Talvez o futuro do jornalismo esteja menos em grandes redações e mais nas pequenas conexões. Menos na audiência e mais na escuta. Menos no controle da narrativa e mais no compartilhamento do espaço público com quem, até agora, só foi espectador.